Pela chuva da manhã, hoje fresca e mansa, desenhei pensares nas cores da água, planos de passeio pelos montes e montanhas
hoje tinha de ser!Foi fácil pegar na mochila e enfiar-lhe aquelas coisinhas mínimas e, no galope do carro, partir sorrindo sem tempo a me controlar.Com alguns sons bons dos U2, Cocteau Twins, Doors, Floyd e outros, a estrada era a minha passerelle para os altos verdes que me esperavam.Deixar o cavalo de rodas cá em baixo, no seu sítio, e pegar na mochila e subir o monte foi rápido e entusiasmante
em breve já respirava mais forte e solto sentindo as ondas do ar fresco e molhado e livre que me inundavam o peito e rosto
e lá fui caminhando e subindo calcando a terra com seu cheiro
cheiro muito próprio que não consigo descrever por palavras
acho que não há palavras que descrevam verdadeiramente o cheiro da terra
a terra molhada que calcorreava e enlameava-me as botas.E a chuvinha miudinha e brincalhona lá continuava a fazer-me companhia e ao contrário de me chatear só me incentivava mais o gozo da subida.Lá no alto, no cimo de um dos montes da montanha, bem molhado mas satisfeito, olhei à minha volta e o encanto acontece
os cenários são múltiplos
os espaços abertos no horizonte são pinturas naturais e cuidadas com o belo das mãos invisíveis do tempo
as árvores já bem vestidas e vaidosas com braços longos de verdes e flores pareciam fazer-me vénias por me verem
a neblina dispersa naqueles cumes maciços entre os montes da montanha pareciam véus de noivas estelares no universo dali.Cheguei-me para a ponta do monte e deixei cair o meu olhar no vazio, e estremeci
a sensação que me pegou o corpo foi de estrangulamento
em simultâneo percebi a pequenez e grandeza do meu ser
e o céu continuava tão perto.Falei ao vento, lembro-me, e a minha voz foi-se velozmente no rodopiar das correntes do ar irrequieto
e às aves que por ali passeavam pedi-lhes, mudamente, que me mostrassem com o seu olhar aquilo que não me atrevia espreitar
as escadarias íngremes e escarpadas do outro lado da montanha subida do chão, enorme e imponente, que o cimo o meu olhar não alcançava
e das correntes do rio serpenteando lá em baixo como berço de mãos seduzidas aos beijos frescos da água entre os dedos.Encostei-me a uma parede de pedras para me abrigar e equilibrar, e no som da chuva e vento pareceu-me ouvir cantares de versos
poetizando para mim
Sei de uma voz que me canta melodias campestres,Ao amanhecer,Sons de folhas ritmadas pelo vento, brincando...Sons de asas de pássaros estonteantes, esvoaçando por aí
Sons de águas límpidas em margens de lagos, serpenteando...Sons dos sons dos meus passos pelas terras, deambulando...Sei de nuvens matizadas de verdes, azuis, encarnadas, me observando,Que me estendem mãos de figuras transparentes, me acenando,Que pousam e envolvem meu rosto alegremente estafado.Sei de um rosto de menina esculpido na pedra,Onde me sento assobiando canções que desconheço,Contemplando com o corpo sensações etéreas que abraço,Nas folhas que bailam na brisa, na música dos pássaros, no embalo das águas,Na sublime orquestra que me toca e arrepia a pele...Carlos Reis(Imagem:Web)