Domingo, 26 de Março de 2006
Namoro
Vem, vamos até ao rio molhar os pés,Vamos nadar nus até à outra margem,Vamos namorar na sombra dos ramos altos das árvores,Que batem palmas aos toques dos nossos lábios,E cumplicemente guardam em segredo nossos ardores.Vamos deixar nossos sussurros ecoarem pelo vale nas asas dos pardais,Vamos prometer laços eternos ao rio que presenteia nossos carinhos,À erva que refresca os fios dos nossos sorrisos de prazer,Deixarmo-nos voar, unos, no encanto das flechas dos afectos que nos ligam,Entrelaçarmo-nos nas cordas dos nossos corpos suados de sais.Vamos deixar que nossos olhos digam tudo, e nós mudos,Vamos deixar que os prados de nossos corações cresçam e floresçam,Vamos selar com os lábios o acto do amor de mediúnico,Baptizar a nossa entrega de louvada graça de volúpia,E que a respiração que emanamos, escorregue rio abaixo serpenteando!Carlos Reis
Domingo, 19 de Março de 2006
Miúda Da Rua
Não tenhas pressa miúda e absorve os perfumes das flores,Não tenhas medo da sua embriaguez,Contempla o jardim e sacia os teus sentidos lentamente,Nas ervas verdes e molhadas de lágrimas doces com tua nudez,Deixa a névoa colorida envolver-te, inundar-te a mente.Fica por aqui e dá-te tempo para respirares a acalmia,Abranda teu viver frenético e olha as folhas verdes, viçosas,Caírem amanhã já castanhas levadas pelo vento, Alimentando as raízes nas suas entranhas lodosas,Deixando as árvores nuas e felizes pelo ciclo belo.Passeia ao entardecer pela areia reluzente, Caminha e corre descalça pela terra húmida,Dos fluxos, sente do chão a corrente,Subir pelo teu corpo despido de entraves,Não deixes mais que te armadilhem os desejos,Com impulsos alucinantes montados em acenos negros,Fica aqui comigo e de mãos dadas vamos namorar os silêncios,A lua sorridente, os cheiros do mar, porque isto não se aprende nos compêndios!Carlos Reis
Domingo, 12 de Março de 2006
Fastio E Nostalgia
Já me cansam os dias corridos e repetitivos actuais,Sinto imenso a falta da mochila às costas e harmónica na boca,Quando olho a estrada cheia de sombras minhas!...Vejo o movimento de partidas de outros que calcorreiam,As pedras por mim tão palmilhadas e suadas,Em idas sem rumo certo, alentado por aventuras sonhadas.Lembro-me de horas, noites sem sono absorvendo os silêncios,Andando, ou sentado ao calhas, pensando em muitos nadas,Sujo mas de olhar sorridente em manhãs rameladas.Dos comboios e camionetas que apanhei contando histórias aos outros,Dos horizontes que apareciam e desapareciam no meu olhar parado,Nos desafios de conhecer lugares novos sem nenhum risco calculado.Em deambular por ruas de paixões do acaso, aconteciam...Gentes de falas desconhecidas, matreiras e impróprias,Em rixas de bares livres e liberdade corrompida de gente nova, ainda crias!...Das boleias demoradas de horas e dias,Sem bússola nem compasso, a estrada é que me levava,E por mais estranho que pareça, nada me importava!Em alguns pontos descansava,Tirando a mochila das costas,Tocando coisinhas na minha gaita de boca.Carlos Reis
Domingo, 5 de Março de 2006
Eu, E Os Efeitos Do Tempo
Estes últimos dias de mau tempo fizeram-me relembrar a empatia que existe em mim e o tempo mais severo.Muitos e muitos dias passei eu tardes, noites e manhãs pela costa à beira-mar, apreciar horas de tempestade, sentir a fúria da chuva, do vento e trovoada! Nos dias de bom tempo acho que ninguém resiste ao mar, ao sol, e há liberdade que eles dão, e eu não fujo à regra, adoro dias de sol como é evidente.Mas o que me fascina mesmo são os dias de mau tempo, há algo que se exalta dentro de mim, eleva-me a adrenalina a tal ponto que perco bastante da sobriedade e sou capaz, aliás como fiz muitas vezes, sair dos sítios abrigados e ir passear pela praia a chover torrencialmente, ou meter-me pelos paredões até à ponta e desafiar as ondas enormes de mau génio que me molhavam por completo... estar ali já bem dentro dos seus domínios com a minha presença altiva e sorridente, embora encharcado, era um bom desafio!Fiz isto tantas vezes que sei que era visto como bastante «apanhado da mona» por muita gente que me via, e até por alguns conhecidos!. Os amigos, esses já não tinham dúvidas nenhumas tu és completamente doido!. Claro que de doido não tinha nada, só que, em muitas vezes aquele «chamamento» para desafiar a chuva torrencial e ondas enfurecidas, era mais forte do que eu.Hoje já não me atrevo a tanto, mas continuo a sentir prazer enorme em sentir a chuva na cara, sentir o ar molhado entrar-me pelas narinas, passar pelos pulmões, fazer com que oxigene o sangue de tão agradável sensação!Não fazem ideia da experiência maravilhosa, e também assustadora, que é estar no meio da praia, em dia de temporal a chover copiosamente e a trovejar... ver, sentir e ouvir os relâmpagos por cima, ao lado, ao longe e ao perto... tudo que nos rodeia ganha formas gigantescas e grotescas, deixámos de sentir o chão, somos como um yó-yó perdidos no espaço-tempo... tem tanto de assustador como de fascínio também! É arrepiantemente belo!Lembrei-me de falar disto porque ontem não resisti em ficar à janela, por algum tempo, e apanhar com aquela ventania e chuva que me soube bem, e trouxe-me à lembrança outros dias de arrojo... e tal como nesses dias, é escusado dizer que fiquei bem molhadinho, não é?!Carlos Reis