
Na linha do horizonte lá ao longe onde o sol se deita no mar, na água calma e cintilante uma pequena sombra deslizava devagar deixando-se desenhar pelos risos coloridos do sol que ainda se mostravam.Aquela pequena silhueta intrigava-me, parecia-me familiar, talvez um pequeno barco que pudesse ter visto anteriormente.E das muitas gaivotas que por ali esvoaçavam pedi a uma que perto de mim passou, que me fizesse o favor de ser os meus olhos e fosse indagar, espreitar o que era realmente aquela sombrita tão cheia de graça que tanto me atraía
Amável e amiga lá foi para meu contentamento
voltando em breve disse-me
«são reflexos de luz em formas ovais por fora e circulares por dentro»... Humm pensei eu ainda mais intrigado com aquele esboço do desenho que me deu. Pela descrição que me fez, se não era um pequeno barco não entendi o desenho
não estava a perceber que sombra poderia ser aquela forma oval tão graciosa e cintilante que se diluía no andar lento das ondas
Fiquei por longo tempo a contemplar o mar no seu dançar
e a matutar no que seria aquela minorca mancha lá ao longe
Até que, e para espanto meu, a gaivota amiga desceu do céu e pousou no areal
e com mestria nas areias o seu bico escreveu
Aquele reflexo, ou sombra como lhe chamas, é algo de ti
e foi-se sem mais nada dizer!...Mistério pensei
mas que mistério este de algo meu andar a deambular lá tão longe e eu sem saber?... Especado e entristecido no rochedo, entre olhares para a mancha longínqua e os dizeres na areia deixados pela gaivota ia mergulhando no abstracto
e eis que num ponto iluminado do meu ser esta frase na mente me apareceu
Era o meu olhar que tinha lá deixado ontem quando à tardinha por ali passei e deslumbrado pelo pôr-do-sol resplandecente esqueci-me de o recolher!
Quantos olhares meus não andam perdidos por aí, não sei
Sei que sempre que olho para algo de belo e bonito lá deixo olhares meus como selos pelas atracções e encantos que me dão!...Nos vazios do cimo das montanhas e serras quando desprendo o olhar e o deixo solto em voos sem rumos em contemplações sem fronteiras saboreando as escadas dos declives até ao chão
deixo sempre olhares que não volto a recolher
Nas noites sem tempo à beira-mar, passeando sob o manto dos piscares dos brilhos das estrelas e o rosto da lua sorridente e levado pelos cheiros da maresia e canções do mar de embalo
muitos olhares deixo sem os recolher
Nas pinturas que o sol me dá em qualquer altura mas muito especialmente no raiar do dia, em que desnuda as sombras da noite e as pincela de cores vivas, espalhando tinta colorida por todo o lado criando lagos e rios balsâmicos no fresco do amanhecer é de uma louvada sorte de sentires indescritível
e olhares deixo sem os recolher
Nos olhos das crianças, diamantes enormes que me hipnotizam nos seus brilhares inocentes e puros a que me submeto sem pestanejar aos seus fascínios, são nichos em que vale a pena adormecer e sonhar sem medos
e olhares, tantos, lhes deixo sem recolher
Nas mulheres com quem me cruzo e cruzei
rostos e almas e abrigos
são templos belos de dádivas, de partilhas de amor, de carinhos e sensualidades, são a outra parte de mim, são a continuação de mim em deslumbres sem palavras
são a outra metade de mim que nos faz unos
e tantos olhares lhes dou sem recolher!...Carlos Reis(Imagem: Web)