A manhã está gélida no acordar do dia entre as sombras das primeiras claridades.
O frio não se faz de rogado em mostrar-me a sua valentia no rosto e no corpo que estremece.
Enrosco-me no kispão, fiel amigo destas demandas, e desafio o ar cortante de olhos brilhantes.
E ao contrário do esperado há exaltação em mim na corrente electrificante que me atravessa o corpo assoberbado em luta desigual que inebria todas as minhas fibras que, agora revigoradas pouco temem.
As gaivotas e pombas são as minhas companheiras matinais nestes dias para cumprir.
Outros seres destemidos, conhecidos ou não, pessoas preciosas encafuadas nas roupas mais tortas acenam com a cabeça em maquinais bons dias.
O céu torna-se mais claro mostrando braços coloridos da aura do sol que se espreguiça,
Bem haja… assim engana o torpor que assola os pés e mãos bêbedas nos dançares impostos,
E o alento anima-se vindo de uma fonte qualquer exuberante de manifestações sadias.
As ruas por enquanto estão vazias, é pé no pedal e deixar o carro andar,
(palavra que não sei de onde me vem este gosto de sentir o frio na cara)
Sabe-me bem e desperta-me os sentidos que refrescam a atenção do objectivo atingir.
Uma espécie de chave que abre portas que não sei ao certo o que vou encontrar do outro lado…
A estrada é longa e cheia de ratoeiras como os caminhos da vida – há que ter cuidado…
Aproveitar as vistas de campos cheios de sementes de vida prontas a florescer,
Deixar que os suaves cantos das aves sejam a minha música do enternecer,
Olhar as águas em livre correr que se passeiam em rios de espasmos de prazer,
Sentir as gotículas de lágrimas caídas da lua como elixir para alimentar o sonho da meta a engrandecer,
As montanhas além, sempre tão longe das mãos e perto do olhar, para meu agrado no seu jeito disforme «acavalitam-se» em desenhos surreais nas sombras do amanhecer,
E o sol já se faz notar, imponente, olho enorme que tudo banha e engole no seu deslumbre, e os meus olhos chispam risos de alegria e penso em ti criatura linda que ateias o fogo do meu Ser.
Nos nossos segredos de ontem que deixamos o tempo da memória gravar disse-te:
“Que ter-te nestes aconchegos de ternuras e carícias em momentos só nossos, continuo a deslumbrar-me tanto como no dia em que fulminaste o meu olhar.
Que quero seduzir-te uma vez mais com o calor das minhas mãos, pega nelas.
Deixa-as entrelaçar-te os ombros como o colar mais belo que sentiste.
São prendas de toques do momento porque o momento assim se dispõe.
Sei que sabes do turbilhão do meu peito agora à janela olhando a chuva que cai,
Chapinando desenhos de cores nos telhados e ardores em nós e no rio ao fundo também,
Empolgando o meu corpo, nicho do teu conforto… berço do nosso deleite!
Apetece-me sussurrar-te tantas coisas mas sem letras nem palavras, só respirando,
Deixar pura e simplesmente a voz do sangue latejante falar…
A linguagem das palavras agora não fazem sentido, nem demonstram o presente que tenho para ti dentro de mim.
São pulsações e respirações minhas suspensas no ar que pouso em ti.
Não há em mim promiscuidade mas sim céus imensos do gostar abertamente dos espaços em que passeamos e deito-me contigo.
Sorver o perfume da tua carne que me enleia em doce desfalecer de tontarias.
És a pérola sumptuosa que soube desencaminhar e roubar ao destino.
Diluímo-nos no chão em colchas quentes onde os bocados dos nossos corpos se espalham como os sons musicais que nos embalam… são ondas frenéticas e mansas afastando-se e unindo-se como os ecos das montanhas nos seus jogos de prazer.”
Carlos Reis