A insuportabilidade deste calor sufocante dá-me cabo da mecânica física e mental com grande rapidez. Gosto bastante do sol forte e tempo quente mas, e infelizmente para mim, as minhas glândulas sudoríparas não morrem de amores com calor mais intenso, e o resultado é abrirem as torneiras e fico ensopado num instante.
Mas não posso rotular o quente mais intenso de horrível porque tem os seus aspectos positivos. Entre outros, o equilíbrio de certos ecossistemas que precisam deste calor abrasador para nivelar certas manifestações que a natureza exige.
E também aos meus olhos de homem, proporciona-me visões de prazer no feminino.
As mulheres despem-se nesta altura quase até à nudez e eu sou fanático pela beleza do corpo feminino, com muita ou pouca roupa (se não tiverem nenhuma tanto melhor), há excelso encanto no corpo e pele sedoso da mulher, modulado e ondulado com mestria pela Natureza Criadora.
No entanto, o sublime deleite nestes dias à beira-mar está quando o sol se deita e as brisas frescas começam a tocar-me… são abraços e carícias saborosas que me fazem estremecer e respirar profundamente, nasce sedução e volúpia nestes momentos, como se mãos feiticeiras engendrassem magia no sangue… há exaltação tal na minha carne que me atrevo a dizer que não são tantas assim as mulheres que me põem neste estado de graça excitante.
As praias começam a despir-se do gentio e com o areal mais deserto, cá de cima do passeio o bichinho da água começa a tentar-me… e da tentação à prática vai um instante… descalço-me, arregaço as calças, e lá vou eu lampeiro molhar os pés e subir ao primeiro rochedo que entre pelo mar… mesmo correndo alguns riscos de escorregar vou até à ponta, é prazer imenso estar rodeado das ondas traquinas que me salpicam de água.
A sensação inebriante do odor a salgado e do bailado das ondas provocadoras, mais o desfazer das cores que se estendem pelo tapete do mar até lá ao fundo do horizonte alaranjado inunda-me o peito por completo, e vale a pena correr o risco.
A minha companheira, que está aqui ao meu lado enquanto escrevo, sorri, ela lá saberá porquê!
É também nestas alturas que dispenso bem o computador, prefiro as folhas de papel que me dão mais liberdade na escrita pausada, o ecrã luminoso incomoda-me a relaxar e no fluir do pensamento abstracto… e como adoptamos a ideia de estender uma manta no chão mesmo em frente à janela para apreciar o fresco da noite nada melhor que escrever em folhas soltas.
Também podemos usufruir dum longo espaço do céu polvilhado de luz das estrelas matronas que nos fazem companhia… e como não podia deixar de ser das gaivotas, agora muito silenciosas, nos seus carrosséis de prazer total.
A casa está completamente às escuras exceptuando a TV, o DVD, e um candeeiro de pé de lâmpada única atrás de mim.
Nas pausas da escrita recosto-me nas almofadas e esvazio a mente… deixo que as memórias rolem à vontade, e tanto tanto vem me à cabeça… na fluidez das imagens e sensações o pulsar do sangue e coração vão acompanhando o ritmo das marcas e impressões que a fita das recordações e lembranças vão deixando… e sorrio umas vezes e entristeço-me noutras, e os olhos ficam brilhantes com alguma lagrimazita solta.
As lágrimas são as mensageiras eleitas das emoções, nem sempre de boas nem sempre de más, são de todas as emoções que transmitem verdades da nossa vida, não é por acaso que se diz que os olhos e lágrimas sãos os espelhos da alma.
É nestes momentos que percebo que o dia, e a vida, têm horas mágicas e secretas… tudo me ocorre, tudo me parece hoje e actual, é tudo tão límpido e claro que chega a assustar!
A companheira já adormeceu com o corpo colado ao meu… hummm sabe-me tão bem sentir a sua carne colada à minha, pouso-lhe os lábios nos ombros e sorvo o seu cheiro de mulher perfumado e adocicado.
Vou cobri-la com um lençol para não arrefecer pois está quase nua, mas ainda não a acordo, fica assim com este ar sereno, feliz e satisfeito… eu também fiz por isto!
Sinto necessidade de continuar a escrever mais qualquer coisa, e agora no computador, até porque quero deixar lá este texto.
Mas antes vou à janela fumar a minha nicotina e olhar o céu feliz de brilhos, olhar o horizonte casario cheio de luzinhas, olhar a ponte e bocado do rio lá em baixo… e neste silêncio cheirá-lo… cheirar este cheiro a água que me dá e reconheço desde criança!
Se desse lado ouvirem algum estrondo, já sabem, fui eu que adormeci e caí!!!
Carlos Reis