No andar livre acabo sempre perto da água, agora mais ao fim das tardes e começo das noites onde se faz a ponte da luz e das sombras.
Por vezes chove bastante e faz frio como hoje mas passar um dia sem deambular por esta costa de rio e mar é que não consigo.
É alimento que preciso para a alma e renovar energias do corpo, embora este já esteja bem marcado pelas verdades do tempo.
Estas pedras têm os meus passos de menino bem gravadas em si, e como homem continuo a calcorreá-las como se fosse a primeira vez… menino ainda! E ânimo e satisfação continuam imensas!
Nasci quase em cima do rio numa destas muitas escadas que serpenteiam esta cascata de rocha e pedra até lá ao cimo depois da ponte… o mar adoptei-o como recreio no meu crescer, e quem tem recreio assim é privilegiado.
Por entre cafeína, cerveja e nicotina, adoro deixar-me passear e caminhar por aqui, o fascínio continua soberbo… sento-me em qualquer lado nestas pedras e rochas – creio que já dei nomes a quase todas elas, de raparigas e mulheres… em brincadeiras soltas e outras loucas, intimidades de paixões, silêncios meus de horas e horas como se o mundo fosse só meu... e segredos deslumbrantes de namoros e encontros toda a noite até raiar o dia… aventuras desenfreadas que este rio e mar já provaram de mim vestido e nu.
Desprender o olhar pelo horizonte imenso e deixá-lo brincar no corpo do mar ondulado e travesso, cheio de azuis e verdes e vermelhos, deixar-me ir nesta liberdade é delícia mesmo… faz-me lembrar viagens no alto mar bem dentro dos formidáveis humores dos oceanos, onde só há água e céu e as sensações únicas que se calam bem cá dentro.
As gaivotas livres no esvoaçar, são bailarinas dos ares, corpos de desenhos lindos no teatro do céu, falcões do mar na delícia do viver assim. Tal como os barcos no seu passar meio assombrados meio tranquilos no dançar das ondas, parecem brinquedos de criança ao longe, tão frágeis e pequenos cheios de suores, alegrias e tristezas.
E quando chega a hora do deitar o Sol imponente e esmagador na sua beleza enche-me os olhos de cores e aglomerados de energia… tal como as crianças que são sóis também cheias de energia em constantes explosões.
Sempre tive a noção – sobretudo nos dias de mais frio - que o sol já meio deitado meio descoberto na almofada da água deita-me olhar trocista, como quem diz: “agora que me vou pirar para o outro lado vê se te cuidas bem sem mim”... E há miríades impressões cósmicas que ficam a flutuar no ar, algo como perceber sensações de memórias dos tempos dentro e fora de mim.
Chega a noite devagarinho quase sem dar por ela. Solene e majestosa também no seu belo véu negro que ilumina à sua maneira os brilhos maravilhosos do outro lado do dia.
É um abraçar enorme de outro sentir, outro respirar, outro tempo para saborear. Em passos lentos vai mostrando a nudez que o sol deixou… os contornos das rochas e mar vestem-se de sofisticadas cores e tons que se realçam bem pelo reluzir das luzinhas do céu vindas de surpresa e se espalham cheias de risos brilhantes… o momento do dia agora pertencem-lhes!
E num tocar virtuoso o som das ondas no seu incessante marulhar espraia-se pelas rochas e areal em longos e molhados beijos em corpos de minúsculas areias sequiosas.
É a gala da noite que emerge sumptuosa, luxuriante, provocadora na magia que me toca profundamente as entranhas para exibir a rainha e feiticeira da noite… A menina e amante Lua!
Carlos Reis