Em cada partida, ei-la sempre presente no porto correndo e acenando no seu andar de gazela distinto e muito feminino, parece que levita no seu deambular.
De cabelos soltos ao vento faz de cada ida ao mar um ritual sagrado que nunca perde. No barco está a sua paixão, uma das primeiras razões do seu viver. Mulher esguia e bela mas mostrando já muito dos sinais da vida dura da pescaria.
O rosto lindo de tez escura do sol que vai deixando marcas, derrama sempre algumas lágrimas que correm para o mar e por um niquinho que seja, depois de tantas despedidas de lágrimas caídas, o oceano está mais cheio de água.
Esbraceja e grita palavras do momento, de saudades e esperança, que ecoam em voo directo ao barco ... sons que parecem libélulas no voar livre que pousam nos olhos semicerrados do homem.
Enquanto não perde o barco de vista no horizonte longínquo prateado pelas cristas das ondas não arreda pé, e o olhar e cabelos revoltos são a chama da esperança ... fica plantada, no chão duro, como árvore valente de ramos bailando ao rugido da ventania que não esmorece nem um pouco a sua firmeza.
O sol ainda está alto e o fresco faz-se sentir na pele, mas a azáfama no barco já é muita e todos sabem o que fazer.
O dourado das mãos do sol torna a coloração do mar num monte de espelhos onde não há cores únicas mas sim tons que se mesclam em cada baloiçar, como se em cada olhar nova pincelada fosse inventada, isto no meio da rudeza é deslumbre também, são encantos que o navegar do mar dá, é poesia em cada batida da água.
E em muitos momentos pode-se sonhar - sabem que no alto mar, e em especial à noite, o silêncio pode tornar-se tão intenso que parece esmagar o peito e a alma?
O marulhar ao fim de algum tempo quase já não tem som, só suavidade quase surda que embala e entranha-se nos sentidos dando dimensões transcendentes aos sentimentos e pensamentos que parece «extra-corpóreo» ... fora do corpo num sentir e perceber as sensações e emoções mais amplas ... numa realidade muito surreal bem diferente da... da terra!
O céu com o passar do tempo fica ainda mais imenso no isolamento que dá, num escuro esbranquiçado e nunca negro como é pintado, deixa-se passear-se lentamente pelas estrelas manequins vaidosas e brilhantes que vão desfilando... ficam tão perto dos olhos que as podemos beijar.
Tanta é a minha admiração pelos navegadores e velejadores de outrora como os de hoje (como desta rapariguinha Holandesa que nesta altura navega sabe-se lá em que mares à volta do mundo) que sinto inveja tamanha pelos seus feitos em tão profunda liberdade e desafios de riscos impensados, que me sinto tão pequeno aos factos das suas façanhas.
E a imaginação solta-se e podemos esventrar o céu na sôfrega procura do que existe no outro lado para além do visível. Esta procura plausível e legítima (que pode parecer insana, mas não é) dos segredos do invisível no cosmos está nos nossos genes pois temos a mesma origem.
E, assim, no turbilhão de ideias que me assaltam e ocupam o pensar e divagar, relaxo-me na droga da nicotina fumando-a com prazer, encostando-me a um canto no cais agora vazio. Desejo o conforto no cheiro da água salgada e nos desenhos das cores e sombras que o sol, agora que se deita, vai criando no espectro que o meu olhar curioso alcança.
Nós todos temos esta imensidão desconhecida dentro de nós, tal como os universos em contínua expansão, nunca estamos satisfeitos com o que temos e conhecemos, precisamos de continuar a procurar, descobrir, redescobrir o lado oculto das coisas.
Ei-la de novo no cais especada como que rezando pelos dedos das mãos, ou estará somente contando as horas para o fim do crepúsculo esperando o barco tão almejado?
Por fim um ponto faz-se perceber no horizonte distante, onde o céu submisso se curva ao poderio do mar... e no ondular do mar, no ondular das manchas longínquas disformes, a sua respiração ansiosa parece explodir em grandes golfadas de ar, e a silhueta da mulher que parecia pequena torna-se enorme na aura que irradia de si ... pressentiu e adivinhou que aquele pequeno vulto é o dela ... a embarcação que traz a paixão querida e sofrida, o sonho da sua vida!
Agora só na linha entre o longe e o perto dos abraços e beijos e lágrimas de felicidade!!!
Carlos Reis